quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Paulo Freire e Catolicismo

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, OSB
Nº  254 – Ano 1981 – Pág. 65.

(via Prof. Felipe Aquino) 

O MÉTODO PAULO FREIRE EM DEBATE

Em síntese: O método Paulo Freire de alfabetização é muito mais do que uma técnica de aprendizagem. Como o próprio autor o reconhece, é uma forma de despertar a consciência da população simples para a dualidade de opressores e oprimidos que caracteriza a sociedade atual, segundo P. Freire e outros pensadores. Mediante palavras geradoras o estudioso visa a suscitar na gente oprimida a conclusão de que é necessária a luta de classes. Assim a pedagogia se torna pregão político revolucionário. Ademais P. Freire tenciona extinguir a diferença entre mestre e discípulos, pois “ninguém educa ninguém nem ensina coisa alguma a alguém”. A escola passa, consequentemente, a se chamar “círculo de cultura”. Neste a educação é libertadora, problematizadora, e não domesticadora, bancária ou alienante.

Ora tal sistema deve ser reconhecido como politizante em sentido esquerdista. P. Freire, exilado do Brasil, tem colaborado com Governos de tendência marxista. Além do quê, é de notar que, embora professe não querer ensinar coisa alguma, o mestre, segundo P. Freire, tem o objetivo predefinido de levar os educandos a posições revolucionárias. Os textos citados no decorrer do artigo ilustrarão e desenvolverão quanto é dito nesta síntese.

Comentário: Paulo Freire, pensador pernambucano, ensinou na Universidade Federal de Pernambuco, onde dirigiu o Centro de Extensão Cultural. Mais tarde desempenhou a função de Consultor para Assuntos de Educação no Ministério de Educação e Cultura. Em 1962 fundou um movimento de educação popular no Nordeste. A revolução de 1964 levou-o a deixar o Brasil; foi então contratado pela UNESCO para servir em Santiago do Chile, onde trabalhou a formulação do Plano de Educação em Massa durante o Governo Eduardo Frey e sob Salvador Allende. Tornou-se membro da cúpula do Conselho Mundial das Igrejas e professor visitante da Universidade de Harvard (U.S.A.). Foi convocado pelo novo Governo de Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé como assessor em assuntos de educação. Atualmente tenciona voltar ao Brasil, onde exerce grande influência não somente através de suas obras, mas também através de comentários dessas obras.

Tem-se discutido a respeito do método de alfabetização concebido por Paulo Freire; especialmente a sua filosofia tem sido controvertida. Eis por que proporemos abaixo as grandes linhas do sistema Paulo Freire, às quais seguirão algumas ponderações.

1.    O sistema Paulo Freire

Examinaremos: 1) a tese fundamental de Paulo Freire; 2) as técnicas libertadoras dos “Círculos de cultura”; 3) o papel atribuído por P. Freire à Igreja.

1.1. A tese fundamental de Paulo Freire

O método de alfabetização de Paulo Freire é muito mais do que uma técnica para ensinar a ler; é, sim, a transmissão de uma filosofia de vida, que passamos a expor.

Parte da afirmação de que a sociedade contemporânea se apresenta em permanente conflito de forças contrárias umas às outras; a superação de cada atrito gera novo atrito. Essas forças antagônicas são designadas pelos termos “opressores” e “oprimidos”, sendo, em última instância, opressores os que possuem os meios de produção, e oprimidos os que não os possuem, mas oferecem o trabalho.

A situação de conflito em que vive a sociedade, não será superada por reformas ou por melhoramento das condições de vida dos trabalhadores; as reformas, em última análise, atenuam as tensões e diminuem as disposições de luta por uma transformação radical.

Ora, segundo Paulo Freire, a almejada transformação radical da sociedade exige um processo de educação das massas que as habilite a tomar consciência ou a conscientizar-se¹ da sua condição de oprimidos e as leve a empreender a sua libertação. Tal educação chama-se libertadora. Na educação libertadora, portanto, visa a despertar as consciências para que se movam em prol de uma sociedade nova, isenta de opressões.

A educação libertadora é, essencialmente, problematizadora: não deve trazer certezas nem suscitar segurança, mas, sim, levantar problemas e aguçar as tensões, a fim de provocar conflitos transformadores. A educação que não seja problematizadora e conflitiva, vem a ser puro assistencialismo, invasão cultural e alienação. – Sem educação libertadora torna-se inútil qualquer reforma das estruturas sociais, ainda que violenta e armada, pois a antiga ideologia permanece latente e pode ressurgir, restaurando as estruturas opressoras na sociedade.

É na base destas premissas que Paulo Freire apregoa a alfabetização; esta é, como dito, mais do que um método de aprendizagem da leitura, pois está inseparavelmente associada ao intuito de fazer do alfabetizando um agente revolucionário.

É isto que leva a dizer que Paulo Freire não tem apenas preocupações pedagógicas, mas é também movido por intenções políticas. Aliás, um repórter do Jornal da República de Recife, aos 31/08/79, interrogou Paulo Freire, de passagem pelo Brasil, a respeito de eventual filiação a partido político; ao que respondeu o mestre: “Faço política através da pedagogia”.

Escreve também Paulo Freire:

“A conscientização, associada ou não ao processo de alfabetização,... não pode ser blá-blá-blá alienante, mas um esforço crítico de desvelamento da realidade, que envolve necessariamente um engajamento político” (Ação Cultural para a Liberdade, p. 109).

“A educação libertadora não pode ser a que busca libertar os educandos de quadros negros para oferecer-lhes projetores. Pelo contrário, é a que se propõe, como prática social, a contribuir para a libertação das classes dominadas. Por isto mesmo é uma educação política, tão política quanto a que, servindo às classes dominantes, se proclama contudo neutra” (ib. p. 110).

Vejamos agora de mais perto em que consistem


1.2. As técnicas dos “círculos de cultura”

O conceito de educação libertadora derivado das premissas de Paulo Freire

- não significa transmissão de hábitos bons ou virtudes pelas quais o homem faça reto uso das suas faculdades, ordenadas segundo a razão, como propunha Aristóteles (+ 322 a.C.) em sua Ética a Nicômaco...

- nem significa ensinar a raciocinar e pensar, para que a criança, o adolescente e o adulto cresçam em ciência e saber.

Estas diversas acepções de educação, segundo Paulo Freire constituem o que ele chama “educação domesticadora, bancária ou alienante”.  Supõem um mestre que tenha conhecimentos verídicos e hábitos bons e comunique o seu cabedal ao educando como sendo valores e padrões válidos para este. Tal tipo de educação, diria o pensador pernambucano, é fruto das estruturas sociais de dominação e opressão e só serve para consolidar e perpetuar esta realidade vigente. A educação domesticadora mantém a diferença de classes, supondo que haja quem tenha saber e quem não o tenha, quem deva falar para ensinar e quem deva ouvir para aprender.

Paulo Freire explica em termos veementes o adjetivo “bancária” aposto ao tipo de educação que ele não aceita:

“Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta... equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porém, porque, fora da busca, fora da praxis os homens não podem ser.

Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro” (Pedagogia do Oprimido, p. 67).

A educação “bancária” ou “domesticadora” desumaniza, segundo P. Freire.

Que vem a ser, pois, a educação “libertadora” ou “problematizadora”, que P. Freire propõe em lugar da clássica maneira de educar?

1.2.1. Educador-educando

A educação, segundo o pensador pernambucano, apaga a distinção entre educador e educando. Em vez de falar de “educador do educando” e de “educando do educador”, falará de “educador-educando” e “educando-educador”.

“O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa. Ambos assim se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem...

Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo; os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis, que, na prática “bancária”, são possuídos pelo educador, que os descreve ou os deposita nos educandos passivos” (Pedagogia do Oprimido, p. 78s).

1.2.2. Problemas e crítica

Em vez de transmitir certezas ou verdades seguras, a educação segundo P. Freire

-  levanta problemas,  apresenta desafios, mostrando o homem inserido no mundo e necessitado de acabamento;

-  suscita atitudes críticas ou rebeldes  em relação à realidade vigente:

“A educação problematizadora ... é futuridade revolucionária.  Daí que seja profética e, como tal, esperançosa.  Daí que corresponda à condição dos homens como serem históricos e à sua historicidade...  Daí que se identifique com o movimento permanente em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem inconclusos” (Pedagogia do Oprimido, p. 84).


1.2.3.    Círculo de cultura

Por isto também Paulo Freire já não quer usar a palavra “escola”, mas, sim, a expressão “círculo de cultura”.

“A liberdade é um dos princípios essenciais para a estruturação do “circulo de cultura”, unidade de ensino que substitui a “escola” autoritária por estrutura e tradição.  Busca-se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de educação popular, reunir um coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho comum pela conquista da linguagem.  O coordenador, quase sempre um jovem, sabe que não exerce as funções de professor e que o diálogo é condição essencial de sua tarefa – a de coordenar, jamais intuir ou impor” (Educação como prática da liberdade, p. 5).


1.2.4.    Diálogo.  Conteúdo programático

A educação, segundo P. Freire, recorre permanentemente ao diálogo.  É no diálogo que o educador-educando e o educando-educador vão descobrindo os problemas e tentando renovar a sociedade.

O diálogo compõe-se de palavras.  Ora a palavra, para Paulo Freire, tem significado muito especial.  Sim; há nela duas dimensões: a ação e reflexão, solidárias entre si; não há palavra verdadeira que não seja praxis; daí dizer-se que a palavra verdadeira seja transformar o mundo (cf. Pedagogia do Oprimido, p. 91).

Estas afirmações de Paulo Freire não podem deixar de recordar as de Karl Marx: “Até aqui os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo; trata-se agora de transformá-lo” (Tese sobre Feuerbach).

É através do diálogo que se elabora o conhecimento programático da educação; este não é concebido e formulado previamente pelo mestre, mas é descoberto mediante o intercâmbio realizado no grupo.  Escreve P. Freire :

“Para o educador-edicando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a devolução organizada, sistematizada, e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma inestruturada” (Pedagogia do Oprimido, p. 98).

E. P. Freire, a propósito, cita Mao-Tsé-Tung:

“Você sabe que, há muito, venho proclamando: Temos que ensinar às massas com precisão o que delas recebemos com confusão” (ib. p. 98).

1.2.5.    Palavras geradoras


Para elaborar com o povo o programa de educação, o educador revolucionário procurará com o povo palavras geradoras, isto é, palavras mais usuais, relevantes e evocadoras na linguagem popular; são palavras carregadas de experiência vivida e decisivas, como, por exemplo, favela, tijolo, trabalho, roupa, feijão, jarro, latifúndio ... Estes vocábulos são úteis não apenas à análise das letras e dos fonemas, mas também à reflexão sobre a realidade cotidiana em que está imerso o povo, pois geram aspirações, decepções e expectativas.

Estas palavras geradoras são escritas em cartazes ou apresentadas em dispositivos; os membros dos círculos de culturas, reunidos eventualmente em uma casa de família, discutem tais vocábulos para decodificar a situação existencial que eles codificam, e para descobrir as causas e as conseqüências sócio-políticas de tal situação.

As palavras geradoras tornam-se, nos cursos mais evoluídos, temas geradores de debates para todos os participantes do círculo de cultura.  Mais importante do que a decomposição analítica das sílabas e letras que constituem a palavra geradora, é a discussão sobre a situação desafiadora que tal palavra exprime.

1.2.6.     Revolução

O fruto dessa educação dialógica e crítica há de ser, segundo P. Freire, uma revolução cultural, revolução que se oporá à invasão cultural.  Com efeito, os opressores tendem a impor a sua cultura aos oprimidos, praticando assim uma invasão cultural, que, aliás, os próprios oprimidos tendem inconscientemente a aceitar; sim, os oprimidos têm, não raro, medo da liberdade; por isto tendem a conservar os padrões culturais e os mitos que os opressores lhes incutem.

Em conclusão, verifica-se que o método educacional de Paulo Freire está essencialmente vinculado a uma ideologia, isto é, a uma visão filosófica que tende a transformar a sociedade, induzindo nesta uma autêntica subversão.  É o próprio Paulo Freire quem o afirma numa entrevista publicada em “Veja” (20/06/79); o repórter aventou a hipótese de que a educação de Freire fosse um método “assexuado”, neutro, descomprometido com qualquer ideologia.  Ao que P. Freire respondeu :

“Quem disse isso, ou não entendeu nada ou está de má-fé.  Em meu método, parte-se do conhecimento do meio em que se vai desenvolver a experiência de educação.  Toma-se em consideração o universo vocabular do grupo em questão, as palavras que são utilizadas todos os dias e que exprimem a vida cotidianas daquelas populações.  Desse universo vocabular são escolhidas as palavras geradoras.  Estas palavras encontram em si os temas de discussão que deverão corresponder aos interesses dos alfabetizados e deverão constituir o primeiro passo, por meio da discussão em grupo, em direção a uma tomada de consciência individual e coletiva dos problemas discutidos.  Esse aspecto puramente mecânico poderá ser utilizado por qualquer pessoa: tirar uma palavra geradora de um universo vocabular também pode ser feito por alguém que pretenda mistificar a realidade e a consciência dessa realidade.  De minha parte, o conhecimento de uma realidade, que vai sendo construído pouco a pouco a partir da experiência dos alfabetizandos, está intimamente ligado à consciência crescente da capacidade de mudar essa realidade.  Conhecer para transformar,  é este o objetivo.  O que ficou sendo conhecido como Método de Alfabetização Paulo Freire, não é algo que se possa reduzir a um aprendizado meramente lingüístico.  Trata-se de aprender a ler a realidade – conhecê-la – para em seguida poder reescrever essa realidade – transformá-la”.

1.3.      Paulo Freire e a Igreja


Paulo Freire não é hostil ao Cristianismo em seus escritos.  Ao contrário, apregoa a participação da Igreja Católica no processo educacional problematizador.  Para tanto, distingue três tipos de Igreja :

1) A Igreja tradicionalista, que, segundo Freire, está associada às camadas dominantes.  O pensador pernambucano desfigura a Igreja no sentido clássico, fazendo eco, de certo modo, aos dizeres de Karl Marx sobre “a religião ópio do povo’  Cf. Pedagogia do Oprimido, pp. 116s.

2)  A Igreja modernizante,  adepta do desenvolvimento econômico.  Esta, embora pareça diferir da anterior, entretêm a dependência dos oprimidos e não se empenha pela real libertação das massas, isto é, não colabora com os movimentos de revolução social; defende as reformas estruturais e não a transformação radical das estruturas; fala em “humanização do capitalismo”, e não em suta total supressão.  Cf. Pedagogia do Oprimido, pp. 118-124.

3)  A Igreja profética.  Esta “recusa os paliativos assistencialistas, os reformismos amaciadores, e se compromete com as classes sociais dominadas para a transformação radical da sociedade” (Pedagogia do Oprimido, p. 124).  Rejeita toda forma estática de pensar; sabe que, para ser, tem de estar sendo; sabe igualmente que não há um “eu sou”, um “eu sei”, um “eu me liberto”, um “eu me salvo”, como não há um “eu te dou conhecimento, um “eu te liberto”, um “eu te salvo”, mas pelo contrário um “nós somos”, um “nós sabemos”, um “nós nos libertamos”, um “nós nos salvamos”.  Este tipo de Igreja propugna a chamada “teologia da libertação, profética, utópica, esperançosa”, optando pela transformação revolucionária da sociedade e não pela conciliação dos inconciliáveis.


Para Paulo Freire, a única atitude autêntica do cristão é a profética, pois quem não se compromete com os oprimidos se compromete com os opressores.

Perguntamo-nos agora:

2.    Que dizer ?


Não podemos salientar a intenção fundamentalmente reta de Paulo Freire, que se preocupa com as massas e o proletariado, visando à promoção dessa parte das populações do Terceiro Mundo.

Também não desconhecemos o valor do respeito à liberdade que Paulo Freire propugna, rechaçando qualquer tipo de sufocação da personalidade e dos direitos das pessoas mais humildes.

A defesa de valores humanos torna certas páginas de Paulo Freire simpáticas a quem as aborda pela primeira vez.  Todavia uma leitura mais atenta dos seus escritos evidencia, nos mesmos, traços incompatíveis com as autênticas concepções cristãs.

2.1.                          Os princípios de Freire

Merecem atenção especial os seguintes princípios de Paulo Freire:

1) O pensador pernambucano professa a subordinação do conhecimento e da palavra à transformação do mundo ou à praxis:

“A mera captação dos objetos como das coisas é um puro dar-se conta deles e não ainda conhecê-los” (Extensão ou Comunicação, p. 28).

“O homem não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo ... O homem é um ser da praxis ... Não há possibilidade de dicotimizar o homem do mundo, pois que não existe um sem o outro” (ib.)

Tais frases lembram os princípios do marxismo, que limitam as aspirações do homem à transformação deste mundo e ignoram o valor do conhecimento como apreensão da verdade, qualquer que seja a índole desta.  Não se pode dizer que a eficácia transformadora do conhecimento seja o critério da autenticidade do conhecimento.  Nem se pode fazer da repercussão política e social de determinada proposição o critério do valor de tal proposição.

A realidade ou a extensão do ser é mais ampla do que o âmbito do sócio-econômico-político.  Por isto há enorme valor em conhecer também as verdades que não se prendam diretamente ao político; há verdades de ordem especulativa, que não alienam necessariamente o homem, mas o podem habilitar a ser mais sábio transformador deste mundo.  A filosofia cristã sempre professou o primado do Logos (do conhecimento como tal, teórico ou prático).  Sobre a praxis; esta decorre daquele, e não vice-versa.

2) A crítica ou a problematização não pode ser o primeiro passo da inteligência.  Esta foi feita para a verdade como tal, ou seja, para reconhecer e afirmar a verdade; foi feita, antes do mais, para o Sim.  O Não ou a contestação só tem sentido se proferido em função de um Sim anterior.  É preciso, pois, antes do mais, que a inteligência se disponha a apreender a verdade como tal numa atitude otimista e confiante; só depois disto poderá ela com fundamento dizer Não à Não-verdade ou à Não-autenticidade.  A problematização como princípio de “educação” pode deformar os hábitos do educando; é não raro a expressão de neurose mórbida, que leva a atitudes doentias.

2.2.                          Educação domesticadora x Educação libertadora

A antítese acima, estabelecida por P. Freire, é artificial por três motivos:

2.2.1.       Memorização x conhecer


Conforme P. Freire, a educação domesticadora se identifica com memorização, ao passo que a libertadora propicia conhecimento (cf. Pedagogia do Oprimido, p. 79).  Ora tal antítese é insustentável, porque o ser humano, dotado de inteligência como é, é sempre propenso a raciocinar e mesmo a criticar as noções que receba dos mestres.

Note-se também que será sempre necessário decorar tabuada, nomes de capitais, rios, datas da história ... (infeliz o cidadão que não saiba de cor tais elementos!), P. Freire o reconhece, mas julga que, além da memorização, deve haver na escola uma doutrinação filosófica de ordem politizante e marxista, de modo a atirar classe social contra classe social.  E nesta doutrinação que consiste a novidade da educação libertadora ou problematizadora.  E é precisamente esta doutrinação que faz do método P. Freire algo mais do que um sistema educacional, tornando-o instrumento de política partidária ou de infiltração esquerdizante nas massas populares.  Quem aceitou o método Paulo Freire, aceitará consequentemente a luta de classes na sociedade e a revolução armada de inspiração marxista.

Note-se também que em nossos dias os métodos de aprendizagem recorrem às técnicas audiovisuais, à análise e à indução.  O aluno é chamado a participar de seminários e fazer pesquisas (na medida em que ele o possa e queira).  Os responsáveis pela educação em alguns lugares costumam também ouvir os alunos (ou os pais dos alunos) a respeito de grandes decisões a ser tomadas na escola.

2.2.2.                 Educação libertadora também é domesticadora

A educação libertadora proposta por Paulo Freire não deixará de ser também domesticadora1 .  Com efeito, diz o próprio mestre que não há ciência nem técnica assexuada ou neutra, mas que tanto a ciência quanto a técnica estão condicionadas histórico-socialmente (cf. Extensão ou Comunicação?, p. 34).  Isto significa que na educação libertadora o educador não pode deixar de dirigir e manipular; ele tem um objetivo pré-definido e se empenha por atingi-lo, pois quer que a turma chegue a atitudes críticas e acirradas. A escolha das palavras geradoras, embora se faça por sugestão do grupo, não pode deixar de estar sob a responsabilidade última do coordenador; o mesmo se diga em relação ao debate sobre tais palavras, que, em última instância, é conduzido pelo mestre para que chegue à conclusão de que tal grupo é explorado e oprimido a ponto de ter que se insurgir violentamente contra os seus opressores. Em outras palavras: o sentido da conscientização já está de antemão definido. 

2.2.3.                 O nivelamento de educador e educando

Não há dúvida de que todo mestre há de ser aberto à aprendizagem de novas e novas verdades, como também à reformulação de seus conceitos; o progresso no saber é-lhe muitas vezes ocasionado pelo convívio com os próprios alunos.

Isto, porém, não quer dizer que o professor se deva julgar tão educando quanto o próprio discípulo.  Um tal esvaziamento do conceito de mestre vem a ser nocivo aos alunos, pois estes precisam de sentir firmeza e segurança no seu orientador.  A profissão da verdade deve ser efetuada com desassombro e sem subterfúgio, mas também com humildade.  Pelo fato de ter descoberto a verdade sobre tal ou tal assunto, o mestre é devedor em relação aos seus alunos, e deve pagar-lhes a dívida, comunicando e demonstrando a verdade; proponha os pontos certos e indubitáveis como certos, e os pontos ainda discutíveis como discutíveis.  Esta oferta da verdade, longe de ser desrespeito ao próximo, é precioso serviço prestado ao mesmo.

Por isto também não se pode aceitar a frase: “Ninguém educa ninguém” (Pedagogia do Oprimido, p. 79).  Na verdade, os homens são dependentes uns dos outros para eduzir (educere > educar) as virtualidades latentes no seu íntimo.  Em geral, são os pais, no lar, e os mestres, na escola, que educam os mais jovens; afirmar isto não significa “estar a serviço de algum sistema político opressor”.  O desempenho da autoridade não é algo de vergonhoso que se deva banir, mas, ao contrário, é um serviço que não se pode extinguir e que faz eco às palavras de Cristo: “O Filho do Homem veio não para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45).

2.3.           Igreja e libertação


P. Freire distingue entre Igreja tradicional, Igreja modernizante e Igreja profética; só aceita esta última porque toma o partido revolucionário dos oprimidos.

Na verdade, existe uma só Igreja, embora possa haver diversas atitudes de cristãos.  A única Igreja de Cristo interessa-se, sem dúvida, pela pólis e pela arte de a reger (política), pois Cristo lhe confiou a tarefa de apregoar o Reino de Deus neste mundo.  Todavia a Igreja não pode, como tal, exercer política partidária ou participar de ação subersiva marxista.  O S. Padre João Paulo II o lembrou sobejamente durante a sua estada no Brasil e de novo o disse em carta escrita aos Bispos do Brasil em dezembro de 1980, carta da qual extraímos os seguintes tópicos:

“Através de minha viagem pelo Brasil eu quis reafirmar a convicção primeira, profundamente erraizada em meu espírito, de que a Igreja é portadora de uma missão essencialmente religiosa, e cumprir essa missão é seu dever prioritário ...

É certo que a missão da Igreja não se confina nas atividades de culto e no interior dos templos ...

Mas não é menos certo que a Igreja perderia sua identidade mais profunda – e, com a sua identidade, a sua eficácia verdadeira em todos os campos – se sua legítima atenção às questões sociais a distraísse daquela missão essencialmente religiosa que não é primordialmente a construção de um mundo material perfeito, mas a edificação do Reino que começa aqui para manifestar-se plenamente na Parusia ... A Igreja cometeria uma traição ao homem se, com as melhores intenções, lhe oferecesse bem-estar social, mas lhe sonegasse ou lhe disse escassamente aquilo a que mais aspira (por vezes até sem o perceber), aquilo a que tem direito, que espera da Igreja e que só ela lhe pode dar” (extraído do JORNAL DO BRASIL, 7/01/81, 1º cad. P.4).

De resto, a divisão da sociedade em duas classes – a dos opressores e a dos oprimidos – é artificial e injusta.  Há muitos cidadãos que, numa perspectiva marxista, seriam colocados entre os opressores, mas que nada fazem por oprimi; não é o fato de não participar de movimentos subversivos que torna o cidadão opressor.

São estas algumas ponderações que desejamos propor à margem dos escritos de Paulo Freire, tentando evidenciar que, apesar das aparências, servem a uma ideologia não cristã e, por isto, não são cartilha para o educador católico. 

_________________
1 Paulo Freire é o primeiro a aplicar as palavras “conscientizar” e “conscientização” ao setor da pedagogia.  Com seu conteúdo vernáculo específico, tais vocábulos foram introduzidos no vocabulário de idiomas como o francês e o alemão, tidos como intensos à aceitação de neologismos.
1 Melhor seria não usar tal vocábulo, que é pejorativo e caricatural. Preferimos dizer: “educação diretiva e orientadora”.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Tempo Incomum

Os dias que antecedem a vitória de Cristo sobre a morte são chamados de Tríduo Pascal. A transição entre o tempo comum e o período de preparação para a Páscoa da Ressurreição, é permeada, outrossim, por três dias bem singulares. A "sabedoria" popular chama esse período pela alcunha de carnaval.

Por Tradição, dizemos que Nosso Senhor desceu aos infernos, por ocasião se sua Paixão, a fim de abrir as portas dos céus às almas dos justos que lá esperavam a justificação. Talvez, analogamente, pudéssemos fazer memória deste fato nessa época que antecede a quaresma; quem sabe, chamarmos tríduo infernal a esse tempo incomum que termina uma fração do tempo comum?

É difícil encontrar similares para o grau de devassidão moral que se dissemina um pouco por toda parte, a partir da sexagésima,  progressivamente tanto quanto mais nos aproximamos da quarta-feira de cinzas. Aliás, nada mais coerente do que, depois de descer aos infernos, tomar nota dos restos deixados por suas chamas; ou do pó onde todos acabamos.

É, pensado dessa maneira, talvez o carnaval tenha realmente sua utilidade prática.