quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Soturno

Trazem-me a carta de um sacerdote jesuíta. Abrindo a correspondência, não vejo correspondência entre aquilo que sai da boca de Deus e atinge o mundo sem que produza antes de voltar e o que ilustra a pena de supostos homens de fé. A carta é do correio de Paulus, um reino bem distante de Aquino. Vem endereçada aos filhos desta terra, trazendo uma mensagem de sabedoria anêmica, visto que lhe falta fortaleza divina. Desejam que nós a utilizemos como suplemento catequético e, apesar de longe, propõem-se a entregar as mensagens todas as semanas em nossas portas. O sermão dominical é sobre o perdão, referência ao Evangelho em que um Senhor pede contas a um empregado acerca de suas dívidas e este suplica por piedade, usufrui de sua misericórdia, mas não deixa que esta transcenda além de si, impedindo seu reflexo a um outro colega endividado. A leitura, de Sirácida, trata do rancor e da raiva e da necessidade de largá-los pelo caminho antes de implorar a cura a Deus. Entretanto, em sua carta, um dos filhos de Santo Inácio faz a proposta de uma outra via sem Deus. Cansado, no silêncio da madrugada do condado, passo a refletir, tentando estabelecer elos entre a boa-nova de Jesus e a do jesuíta. Observo que o radical enaltece semelhança. Justo, pois, considerar semelhanças a procurar. Contudo, quanto mais perto minha vista cansada se aproxima, para mais longe o intelecto saturado impele o meu pensar. Para este jesuíta, cabe-nos trilhar um caminho, que não apela à ciência, mas a mera sabedoria e experiência humanas, feitas à margem das tradições, da religião e da fé; um caminho preparado ao longo do século por uma pretensa civilização do Oeste, no qual não faz falta alguma transcendência além da história. Não entendo, pois, qual foi o erro daquele empregado que não deixou a compaixão de seu patrão transcender sua alma e mandou jogar o colega na prisão. Se não faz falta alguma, por que o Senhor ficou indignado ao saber disso; por que o qualificou como perverso e mandou torturá-lo? Não entendo. Continuo a percorrer a trilha do caminho ateu jesuíta, por mais que me pareça paradoxal o simples uso do adjetivo ateu ao lado de jesuíta - deve ser daí que a localidade de nascimento do fundador da Companhia de Jesus passou a ter a semântica de hipocrisia. Sugere-se uma vida em que não há lugar para esperança. A esperança traria infelicidade para nós; devemos ser felizes em um mundo sem futuro, sem esperança. Realizados no presente de uma terra de desespero que seria produto da honestidade humana que nos traria como prêmio a felicidade. Decido enviar um mensageiro a Paulus e aos reinos vizinhos. Ele cruza o gigantesco oceano que separa Aquino daquelas longínquas terras. Ultrapassa a fossa abissal de Damasco onde outrora os olhos de grandes perseguidores de cristãos foram abertos de sua escuridão. Chega aos portões de Paulus, mas retorna sem ser ouvido. O mensageiro pergunta as razões das portas fechadas, mas ninguém se apresenta para lhe esclarecer. Então ele retorna para o condado, entristecido. Havia chegado pronto para dar as razões de nossa esperança, mas parece que essa virtude já tinha sido desalojada daquelas terras, relegada à mendicância nas estradas que levam a um reino cristão sem Deus e que desaprendeu coisas como não guardar ódio ou rancor, não levar em conta a falta alheia, não se vingar. Não resta dúvida, todavia, que suas ações parecem coerentes a uma via na qual não faz falta alguma transcendência além do que se vê hoje. Pra quem já usa uma sabedoria que prescinde da fé e despeja a esperança do credo de Niceia na vida do mundo que há de vir, matar a caridade é apenas um passo adicional.